sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Fernando Haddad(entrevista)

Entrevista – Páginas 4 a 6

À frente do Ministério da Educação, o ministro Fernando Haddad tem uma gestão marcada pela consistência das políticas educacionais e intenso diálogo com os diferentes setores sociais. Entre políticas importantes de sua Pasta, destacam-se o Programa Universidade para Todos - ProUni, a Universidade Aberta do Brasil – UAB, e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Trabalhadores da Educação – FUNDEB. Nesta entrevista, o ministro fala dos fundamentos que embasam o Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE, e das políticas públicas para a educação inclusiva.

1. Revista Inclusão: Ao abordar os enlaces conceituais que envolvem a execução do PDE, o senhor afirma a necessidade de superar a visão fragmentada da educação. Como o PDE se traduz em propostas concretas?
Fernando Haddad: A partir da concepção sistêmica de educação, o PDE ultrapassa as falsas oposições entre os níveis, etapas e modalidades educacionais e potencializa políticas que reforçam a sua interdependência. Um exemplo claro é a articulação entre a educação básica e a superior, em regime de colaboração, na UAB as universidades públicas ofertam formação para os professores, os estados e municípios mantêm os pólos presenciais e a União efetiva o fomento. Visando dar conseqüência às normas gerais e às diretrizes estabelecidas para a educação, o PDE torna-se estratégico para assegurar a educação infantil, a aprendizagem, a alfabetização, a permanência, a valorização profissional, a formação docente, a gestão participativa, entre outras, que estabelecem os pilares para a inclusão educacional, em uma escola de qualidade para todos os alunos.

2. Revista Inclusão: Quais as propostas do PDE para alcançar a transversalidade da educação especial superando a lógica da fragmentação?
Fernando Haddad: É preciso reconhecer que a organização e as práticas educacionais forjaram, historicamente, uma cultura escolar excludente e que há uma dívida social a ser resgatada. Este contexto intensificou a oposição entre a educação comum e a educação especial nos sistemas de ensino, contrariando o princípio da transversalidade da educação especial em todos os níveis, etapas e modalidades. Portanto, as políticas públicas devem potencializar a relação entre educação especial e comum com vistas a estruturar o acesso ao ensino regular e a disponibilização dos apoios especializados para atender as necessidades educacionais especiais. O PDE define a inclusão educacional como uma de suas diretrizes e propõe políticas públicas voltadas à acessibilidade e ao desenvolvimento profissional, onde se destacam os programas: Formação Continuada de Professores na Educação Especial, Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais, Escola Acessível e o Monitoramento dos Beneficiários do BPC no Acesso à Escola.

3. Revista Inclusão: A elaboração da nova Política Nacional de Educação Especial foi um esforço conjugado para a superação da exclusão educacional que refletiu em algumas divergências no seu processo. É possível alcançar um sistema educacional inclusivo?
Fernando Haddad: O debate evidenciou concepções diferenciadas acerca da educação especial, o que qualifica o processo, levando toda a sociedade a refletir sobre a perspectiva da educação inclusiva. O movimento pela inclusão repercute e os grupos sociais avançam e se apropriam dos conceitos que estão se consolidando. A inclusão educacional é, hoje, uma realidade balizada pela evolução dos marcos legais e declarações internacionais, onde o papel do MEC é definir uma política que estabeleça o diálogo com todos os segmentos da sociedade. Não se trata de votar uma política, mas de estabelecer um consenso em torno do que dever ser feito, do que pode ser feito e do que é direito da criança que se faça.

4. Revista Inclusão: Como o MEC está impulsionando esse processo? Há resultados que indiquem mudanças nos sistemas de ensino na perspectiva das políticas de inclusão?
Fernando Haddad: A educação especial vem ocupando cada vez mais espaço na agenda do MEC, sobretudo nos últimos anos, e o papel da Secretaria de Educação Especial junto às demais secretarias se amplia na perspectiva da inclusão. Os resultados estão aparecendo, é importante registrar que o avanço da matrícula é notável nas escolas comuns da rede pública e o retorno que temos dessas experiências comprova a viabilidade e a eficácia de um sistema educacional que inclui a todos. Os estudos estatísticos já revelam essa face do processo de ensino e aprendizagem que a inclusão estimula, enseja e provoca, reforçando a tese de que o benefício da inclusão não é apenas para crianças com deficiência, é efetivamente para toda a comunidade, porque o ambiente escolar sofre um impacto no sentido da cidadania, da diversidade e do aprendizado.

5. Revista Inclusão: Frente aos avanços na pauta dos Direitos Humanos em torno dos princípios da inclusão que impulsionam a transformação da escola, ainda é possível falar em retrocesso?
Fernando Haddad: Não vejo razão para temores de retrocesso, muito pelo contrário, entendo que é um momento auspicioso da educação inclusiva e da equalização das oportunidades. É isso que está acontecendo neste momento. Nós temos que ter uma estratégia de construção de um novo paradigma na educação, ainda mais sólido, ainda mais consistente, ainda mais visível. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, recentemente aprovada pela ONU, demonstra o caráter irreversível desta proposta, que estabelece o compromisso dos países para assegurar um sistema de educação inclusiva em todos os níveis de ensino e adotar medidas para que as pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional.

6. Revista Inclusão: Os movimentos sociais de defesa da cidadania apontam a ausência de uma política de Estado para superar uma realidade de exclusão que perdurou por muito tempo. Como o senhor avalia esta questão?
Fernando Haddad: Essa realidade que está vindo à tona revela uma face da exclusão social. As famílias no passado, até por ausência do poder público, não encontraram segurança e informação necessárias para reivindicar o direito dos seus filhos à educação e aqueles que o fizeram foram considerados ousados demais. A orientação da nova política educacional, sem dúvida, é fundamental para transformar a gestão e as práticas de ensino, porém, outros fatores que dizem respeito a uma nova cultura escolar devem ser considerados. São muito sólidas as justificativas do movimento pela inclusão, dessa perspectiva que se coloca de maneira irrefreável e vem conquistando adeptos, sobretudo às famílias que vêm reforçando essa visão e que só traz ganhos para a sociedade. A política está definida, na minha opinião o conteúdo está muito bem construído, mas, tão importante quanto o conteúdo desta política é trabalhar para que ela aconteça. Torna-se um desafio diminuir os temores que ainda possam existir nos sistemas de ensino, algumas preocupações precisam ser superadas e, de fato, a experiência das escolas vai transformar essa realidade.

7. Revista Inclusão: Quais os desdobramentos a partir da nova Política de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva?
Fernando Haddad: Essa política apresenta uma visão que está se firmando em diversos países que deram início a um processo de reorientação das suas estruturas de ensino para o acesso e sucesso de todos os alunos, consolidando princípios que estavam em pauta desde os anos 1980. No Brasil, muitos sistemas de ensino já desenvolvem sólidas experiências educacionais neste sentido e outros estabeleceram metas para promover a inclusão de todos os alunos, e a nova Política subsidia a elaboração de normativas. No âmbito do MEC, a fim de dar conseqüência à Política, estaremos consolidando um conjunto de ações de apoio à implementação da educação inclusiva, destacando-se a proposta de financiamento para ampliação da oferta do atendimento educacional especializadocomplementar ao ensino regular. Na medida em que estas ações forem implementadas teremos constituído uma política que promove o desenvolvimento da escola para efetivar o direito de acesso e a qualidade da educação.


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