sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Entrevista

ENTREVISTA – Páginas 4 a 6

Antonio Carlos Sestaro – Advogado, presidente da Associação de Pais de Filhos com Síndrome de Down na cidade de Santos/SP, conselheiro titular do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência – CONADE, coordenador da Comissão dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência da OAB – subsecção de Santos/SP, fundador da Associação de Pais de Filhos com Síndrome de Down, em 1992, na cidade de Santos/SP, e presidente da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down, no período de 2002 a 2006.

1. Revista Inclusão: A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva destaca a trajetória da educação especial e a sua evolução a partir das experiências educacionais que vêm acontecendo no Brasil, visando à construção de sistemas educacionais inclusivos. Considerando sua atuação no movimento social, qual o seu entendimento sobre este documento?
Sestaro: A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva consolida o pensamento de vários segmentos de pessoas com deficiência e vem, principalmente, atender a diversos documentos nacionais e internacionais que combatem qualquer forma de discriminação contra essas pessoas. Há muito tempo, a presença de alunos com deficiência nas salas de aulas das escolas comuns do ensino regular era exigida por documentos que afirmavam que essas pessoas tinham os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que as demais. Com essa proposta educacional, a Secretaria de Educação Especial do MEC cria, agora de forma concreta, a condição de tornar realidade a educação para todos, já prevista em nossa Constituição, no artigo 205.

2. Revista Inclusão: O direito de todos à escolarização nas escolas comuns do ensino regular constitui o fundamento da nova Política. Na trajetória escolar de Samuel, que aspectos você destacaria?
Sestaro: A vida escolar do Samuel foi sempre orientada pelo princípio da inclusão em salas de aula de escolas comuns do ensino regular. Ele iniciou seus estudos na pré-escola regular e quando começou a se alfabetizar, recebemos a proposta da escola de colocá-lo em uma classe especial. Como tínhamos a certeza absoluta de que ele deveria freqüentar uma classe regular e nenhuma das escolas contactadas se disponibilizava a criar as condições para isso, minha esposa, como proprietária de uma escola infantil, decidiu torná-la “inclusiva”, matriculando e alfabetizando em classe regular, não só o Samuel como também outros alunos que apresentavam diferentes deficiências. Com essa atitude, ficou demonstrado que a matrícula de um aluno com deficiência nas escolas comuns dependia da proposta educacional da escola. Logo após este fato, a Prefeitura Municipal de Santos, por meio da Secretaria de Educação, passou a matricular nas escolas municipais “todos” os alunos e, com isso, o Samuel foi cursar o 1º ano do ensino fundamental em uma escola do município. Fizemos a transferência dele para o ensino público, pois, na verdade, nossa grande luta, enquanto movimento associativo na cidade de Santos, era que a escola pública estivesse aberta aos alunos com deficiência.

3. Revista Inclusão: Com relação à participação e aprendizagem do seu filho em escolas comuns do ensino regular, qual a sua avaliação?
Sestaro: Foi um grande avanço. O município de Santos hoje tem matriculado nas classes comuns, em sua rede de ensino, aproximadamente 200 alunos com deficiência. Com relação ao Samuel, após a conclusão do 4º ano na escola pública surgiu uma nova proposta em uma escola da rede particular de Santos, o Colégio Stella Maris, onde ele estuda hoje, cursando o 3º ano do ensino médio. Dentre os principais aspectos referentes à sua inclusão na escola de ensino regular, ressalto o desenvolvimento pessoal do Samuel, ao enfrentar novos desafios e ao buscar sempre superar seus limites, e a relação com os demais colegas de sala de aula, que passaram a respeitá-lo nas suas diferenças. Devemos, ainda, considerar que as pessoas com deficiência que tiveram a oportunidade de ser incluídas, e que vivenciaram um desenvolvimento inclusivo apresentam hoje um nível de sociabilização e autonomia com maior expectativa em relação ao desejo de ingressar no mercado de trabalho, de dirigir veículos, morarem sozinhas etc., tão logo completam 18 anos.

4. Revista Inclusão: A partir da Política, a educação especial não é mais substitutiva à escolarização, sendo o atendimento educacional especializado complementar à formação no ensino regular. Qual a sua opinião sobre a reorientação pedagógica das instituições especializadas e escolas especiais em centros de apoio, recursos e serviços?
Sestaro: Muitas instituições especializadas e as escolas especiais têm uma grande experiência a ser aproveitada nessa nova proposta de educação inclusiva. Porém, o que não se pode mais aceitar é a utilização de tais instituições em substituição às escolas comuns da rede regular, pois, assim, “eternizaríamos” a exclusão. O papel dessas instituições, como definido na nova Política, será no atendimento educacional especializado, diferenciando-se das atividades desenvolvidas nas salas de aula comuns; complementando e/ou suplementando a formação dos alunos, buscando a autonomia e a independência na escola e fora dela. Parece-me que a legislação nacional e internacional, bem como as orientações voltadas para a inclusão das pessoas com deficiência nas escolas regulares, encontraram um “solo fértil” na política desenvolvida pelo Ministério da Educação, que vem promovendo uma mudança da teoria para a prática e concretizando uma real “educação para todos”.

5. Revista Inclusão: A educação inclusiva na defesa de uma educação de qualidade para todos visa a emancipação do sujeito, sua participação social e o exercício da cidadania. Quais os avanços e desafios atuais para a consolidação das políticas de inclusão educacional para as pessoas com deficiência?
Sestaro: Os números apresentados, hoje, de matrículas de alunos com deficiência nas salas de aula das escolas da rede regular por si só bastariam para mostrar os avanços já conquistados. Porém, temos muito a avançar. Creio, ainda, que o maior progresso estará na mudança de comportamento da sociedade ao ver os direitos das pessoas com deficiência serem dia a dia consolidados. Cabe lembrar que quando fundamos, em 1992, a Associação de Pais de Filhos com Síndrome de Down – UP DOWN, em Santos/SP, recebíamos diversas consultas/reclamações sobre escolas que recusavam matrículas de alunos nas salas de aula das escolas da rede regular; hoje, praticamente isso já não ocorre mais. Entre os desafios que devem ser enfrentados, creio que a conscientização/formação dos professores seja dos mais importantes. O trabalho iniciado em 2003 pela Secretaria de Educação Especial do MEC, por meio do “Programa de Educação Inclusiva: direito à diversidade”, é um dos mecanismos de formação docente que se torna fundamental nesse processo. A valorização dos professores seja com cursos, seja com outros apoios, irá contribuir em muito na superação de desafios no processo de inclusão.

6. Revista Inclusão: Qual sua opinião sobre o papel da escola e da família na efetivação da educação inclusiva?
Sestaro: A nossa experiência com o trajeto educacional do Samuel nos trouxe a certeza de que o caminho de uma educação inclusiva é o melhor para que as pessoas com deficiência, e aqui aponto a área mental, tenham um desenvolvimento pleno com autonomia e aprendam a superar desafios. Ainda, a educação inclusiva faz valer um conceito maior: de que as pessoas devem respeitar as diferenças. Acredito que a nossa sociedade deve observar os princípios existentes na Constituição da República, assegurando os valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. A escola, logo depois da família, constitui a base desta sociedade, devendo, portanto, representar a sua realidade. Acredito também que com a efetivação de uma educação para todos teremos, em breve, uma sociedade que não somente irá respeitar as diferenças, mas, principalmente, irá valorizar essas diferenças.

7. Revista Inclusão: A partir da sua experiência como pai de um jovem com Síndrome de Down, qual a postura dos pais para incentivar o desenvolvimento dos seus filhos?
Sestaro: Entendo que uma criança ou um jovem com Síndrome de Down manifesta suas aspirações de acordo com as experiências que lhe forem proporcionadas. Considerando todas as oportunidades que foram oferecidas ao Samuel, ele se manifesta, hoje, como qualquer jovem de sua idade, ou seja: quer namorar, dirigir automóvel, ter sua vida independente, e acima de tudo, trabalhar. Tem também suas dúvidas sobre qual profissão ele realmente quer ou que atividade lhe agrada. Em relação à postura dos pais, acredito que quando a família acompanha seu filho de acordo com sua idade, respeitando seus limites e o seu desenvolvimento, ele manifestará seus desejos e aspirações. No ano passado assisti a uma palestra na Fundação Síndrome de Down, em Campinas, quando o psicólogo italiano Carlo Lepri fez observações sobre os pais que, talvez inconscientemente, querem “eternizar a infância” de seus filhos com deficiência intelectual. Vejo que essa observação tem muito a ver com a postura dos pais em saber que é muito mais “fácil” ter uma “criança” com deficiência intelectual do que um “adulto”, porque as respostas às suas atitudes estarão sempre “protegidas” pelo “ser criança” e, ainda, porque os pais podem “controlar” todas as atitudes e comportamentos de seus filhos. Na oportunidade, o psicólogo apresentou fotos de pais de mãos dadas com seus filhos já adultos atravessando ruas, mães penteando os cabelos de suas filhas adultas, ou mesmo escolhendo o vestido que a filha iria usar. A importância do respeito ao crescimento de nossos filhos, com certeza, terá como retorno seu melhor desenvolvimento como pessoa.

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